Reforma Agrária da Cultura
Por Gilberto Mauro
Estamos vemos, e vivenciando, os cortes de verba no Ministério da Cultura. Então, aproveitando, vamos pensar sobre sua maior ferramenta de financiamento para os artistas: a lei de Rouanet e as leis de incentivo via renúncia fiscal no geral. Salvo alguns momentos de luz, que certamente não são agora, o Min. da Cultura se comporta mais como um ministério da agricultura. O Ministério da Agricultura trata de subsídios, benefícios, logísticas do agronegócio, grandes produtores e estão “se lixando” para a agricultura familiar. Estes agricultores precisam é do Ministério da Reforma-agrária. Artistas são como estes pequenos agricultores que lutam pela sua agricultura orgânica e familiar. Estes minifúndios são engolidos por grandes produtores. É importante fazer essa analogia, porque os músicos enfrentam essa mesma situação.
Por décadas, a lei Rouanet e todas as leis de incentivo via isenção fiscal foram publicadas como “salvadoras” e “democráticas”. Nascidas no fim dos anos 80 para 90, poderiam ser mesmo um avanço na época. Todas estas, sejam da esfera federal, estadual ou municipal posam ser realizadoras de centenas de milhares de projetos culturais ao longo destas décadas. A que preço? A história institucional é contada pelos vencedores, não esqueçamos isso. Trata-se de um mecanismo que sufocou qualquer outra forma de se fazer cultura no país, jogou toda criação, todo projeto cultural individual (ou não) nas mãos de um artifício que não passou de um exercício de neologismos para não dizer o óbvio: privatização do financiamento.
Por tanto tempo esta constatação foi muito evitada de ser dita pelos artistas. Não por culpa deles. Vivemos todos na pele. São os explorados deste sistema todo. Dependiam destas migalhas para realizarem seus projetos. Precisavam ficar bem domésticos com o governo, com curadores, com promotores, com captadores, com as empresas, com fulano, sicrano, “sim senhor, claro, que beleza, assovio e chupo cana sim senhor! ”. A natureza da empresa é financeira. Seu objetivo é o lucro e, para isso, utiliza projetos de visibilidade para fazer propaganda. Ponto. Entre ela e o artista existe um abismo. E olhe que a maioria é estatal. Enquanto isso, o artista se consome em um projeto cada vez mais mirabolante. Espremido entre uma receita pequena e sectária institucional, formulários criteriosos de cunho cada mais pseudo-sociais, como se o artista fosse o responsável pela política pública e inclusão social do Estado para redimir esta sociedade, em meio as justificativas sensacionais, objetivos messiânicos, a qual o pobre tem que convencer um bando de tecnólogos que seu projeto de gravar seu CD será a revelação da nova musica popular brasileira, desde João Gilberto. E em sua divulgação, a propaganda da marca no formulário do edital da famigerada empresa que irá lhe incentivar (…), após o projeto passar pela peneira de aprovação governamental, o já então agraciado pela benevolência magnânima da tão dedica e preocupada com a cultura e representada pela “sua sapiêntíssima” área de marketing da dita-cuja, o artista terá que dizer, por exemplo, que será feita num salto magistral de “band jumping” em que o coitado, ( você mesmo! ) irá abrir uma faixa com a propaganda da empresa em pleno ar antes de se esborrachar no chão… E aí se vai entre mil projetos, ônibus, gasolina, conversas, salas, cafezinhos e reuniões inúteis toda a energia criativa do nosso operário da arte. Que depois de anos a fio lutando para conseguir um financiamento para realizar seu sonho embalado, terá que fazer tudo! Receber pouco e prestar conta até daquele miserável café ruim que tomou. E tal conta nunca vai fechar… Agora, nos últimos tempos, ainda somos obrigados a ouvir que recebemos uma “boquinha”, dos governos petistas. Ah, se soubessem estes neoliberais que este mecanismo é a melhor amostra do sistema capitalista. Que de tão perfeito, empresas dão as cartas e não pagam nada por isso! Imagine! E do pouco que retiram têm abatimento como publicidade no imposto de renda. Sim! Publicidade tem restituição de imposto de renda meus caros. Dá para mudar isso? Tem que querer. Não há dúvidas que, depois deste hecatombe sem legitimidade governamental que vivemos, os tempos serão outros e bem mais verdadeiros. Conversemos mais sobre tudo isso no próximo capítulo